Descoberta antecipa em até 40 milhões de anos a transição da vida aquática para a terrestre e coloca a Austrália como berço possível dos primeiros répteis


Uma descoberta paleontológica feita no sudeste da Austrália promete reescrever parte da história da evolução da vida na Terra. Pegadas fossilizadas com cerca de 356 milhões de anos, encontradas na Formação Snowy Plains, no estado de Victoria, sugerem que os amniotas — grupo que inclui répteis, aves e mamíferos — surgiram entre 35 a 40 milhões de anos antes do que se acreditava até então.
A pesquisa, publicada em 14 de maio na revista científica Nature, indica que a transição dos tetrápodes (animais com quatro membros) do ambiente aquático para a vida em terra firme pode ter acontecido de forma muito mais rápida e precoce do que se imaginava.
Evolução antecipada
Até agora, os registros mais antigos de amniotas datavam de 318 milhões de anos e haviam sido encontrados no Canadá. A nova evidência, no entanto, empurra essa linha do tempo para cerca de 356 milhões de anos atrás — ainda no período Devoniano. Isso sugere que as linhagens que deram origem a répteis, mamíferos e aves divergiram muito antes do que se pensava.
“Uma única laje com pegadas, que uma pessoa consegue carregar, coloca em dúvida tudo o que pensávamos saber sobre quando os tetrápodes modernos evoluíram”, afirmou o biólogo Per Erik Ahlberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia, coautor do estudo.
Pegadas com garras
As marcas fósseis exibem garras curvas — uma característica única de répteis —, indicando que o animal que as fez já era totalmente adaptado à vida terrestre. As pegadas foram encontradas por dois paleontólogos amadores, Craig Eury e John Eason, e analisadas por uma equipe internacional liderada pelo paleontólogo John Long, da Universidade Flinders.
Segundo os pesquisadores, o animal poderia ter cerca de 80 centímetros e se assemelhava a um pequeno lagarto moderno. O formato das patas é comparável ao dos atuais monitores-d’água ou goannas.
Um novo olhar sobre Gondwana
A descoberta reforça a importância do supercontinente Gondwana, que incluía a atual Austrália, América do Sul, África, Antártida e Índia, como possível berço dos primeiros amniotas. Até então, acreditava-se que a origem desses animais estava nos continentes que formavam a parte norte da Pangeia.
“A migração dos vertebrados para a terra foi uma parte importante, e dentro disso um o fundamental foi a evolução do ovo amniótico nos ancestrais imediatos dos répteis e mamíferos”, destaca Ahlberg.
Novos caminhos para a paleontologia
A laje encontrada é considerada a evidência mais antiga de um réptil com garras, o que reforça a hipótese de que formas mais avançadas de vida terrestre já existiam no Devoniano.
A descoberta abre novos caminhos para a paleontologia, especialmente nos continentes do hemisfério sul. “Agora me parece claro que precisamos expandir nossa busca por localidades do Carbonífero Inferior na Austrália, América do Sul e África”, afirmou o paleontólogo Stuart Sumida, da California State University.
Patrimônio evolutivo global
A transição dos amniotas representa um dos momentos mais decisivos da história evolutiva, marcando a independência dos vertebrados em relação aos ambientes aquáticos. A habilidade de colocar ovos com casca dura foi essencial para que esses animais pudessem prosperar em terra firme.
“Esses eventos formam um episódio chave tanto na nossa própria ancestralidade quanto na história do planeta”, conclui Ahlberg.