Nascer, viver, morrer e “morrer” – Por João Paulo Vieira

João Paulo Vieira – Escritor

Olá, legentes!

“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais.”, José Saramago, “O Homem Duplicado”, 2002.

Nesta semana, algumas notícias, aparentemente, desconectadas entre si, dominaram meus pensamentos.

Começo por uma que possa ter ado despercebida para muitos, dada a tsunami de informações, que todos os dias nos afoga. Falo da dor sofrida pela apresentadora Tati Machado, que na 33ª semana de gravidez, perdeu Rael, filho tão aguardado, que habitava seu ventre: “Agora eu sou casa, o lar de uma vida”, ela disse numa entrevista anterior à sua perda. Como lidar com todo afeto investido naquele bebê, a partir do momento que ele se foi? Força, Tati!

A morte de Mujica também me tocou. O ex-presidente do Uruguai foi um imenso ser HUMANO — em caixa alta —. Quantas pessoas no mundo são capazes, hoje, de serem reconhecidas de maneira unânime, como fundamentais ao pensamento democrático, à postura ética e moral diante da vida, ao respeito pelo planeta, à atenção aos menos favorecidos, ao combate à desigualdade sem falsas palavras, à simplicidade verdadeira? Como Pepe Mujica, eu não conheço outro. Que falta ele faz!… Hasta siempre, Pepe!

E num mundo onde nascer, viver e morrer são o que há de mais precioso, vejo notícias de pessoas dedicando seus cuidados a bebês “reborn”.

Os tais “reborn” — renascido; traduzindo — extrapolam minha capacidade de compreensão da psique humana.

Das antigas bonecas desgastadas, que foram restauradas por mulheres durante a Segunda Grande Guerra, com objetivo de revivê-las como brinquedos e assim levar alguma alegria às crianças, chegamos a esta triste aberração “reborniana” de hoje.

Winnicott nos fala sobre o objeto transicional, que tão bem reconhecemos em nossas crianças a carregarem seus paninhos e pelúcias por onde vão ou para dormirem agarrados a eles ou seus brinquedos. Objetos que têm por função conectar o interno e o externo de seus mundos em formação e os auxiliar na compreensão da realidade. Quem não tem a imagem do Linus Van Pelt — Peanuts — e seu inseparável cobertor a lhe dar toda segurança?

Mas o que explica “adultos” que chegam a brigar na justiça pela guarda de um bebê “reborn”, que possui enxoval completo e até rede social? Onde estamos? Que mundo é este, onde “adultos” buscam seus objetos de segurança e identificação do eu, em crianças feitas de vinil e silicone que nunca terão alma, nem crescerão?

Assusta-me pensar que “adultos” direcionem seus afetos mais primordiais — no amplo sentido da palavra —, para bonecos inanimados, ainda que estes também possam conter o mesmo significado do recurso utilizado pelas crianças em seu desenvolvimento, conforme também tratou Winnicott.

Longe de mim querer dar resposta a tantas perguntas existenciais.

Tenho, entretanto, um pensamento: todos nós objetificamos nossos desejos, seja em coisas ou em seres vivos. Ocorre que numa sociedade baseada no consumo, onde parece mais fácil-prático dar coisas em lugar de afeto, amos a depositar nas coisas nossas vidas. Para mim, a expressão máxima deste fenômeno é percebida na anomalia afetiva representada num bebê “reborn”, o qual é infecundo no sentido do afeto. Objetos transicionais, enquanto transição, são fundamentais na infância, compreensíveis, em certo grau, nos adultos, mas preocupantes quando se tornam fixações.

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