Nova legislação garante acolhimento psicológico e mudanças no registro de natimortos; medida visa humanizar a dor de pais e mães que enfrentam perdas gestacionais ou neonatais


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta segunda-feira (26) a lei que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. A medida, publicada no Diário Oficial da União, garante apoio psicológico, acolhimento especializado e registro oficial com nome para natimortos. A política a a integrar o Sistema Único de Saúde (SUS).
O texto foi construído a partir de um projeto de lei de autoria do atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, quando ainda era deputado federal. A proposta teve como base o diálogo com mulheres que vivenciaram a perda de filhos durante ou após a gestação.
“Essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto”, explicou Padilha.
O que muda com a nova lei
A nova legislação traz mudanças significativas no atendimento e nas garantias às famílias enlutadas. Entre os principais pontos estão:
- Apoio psicológico especializado e acompanhamento terapêutico;
- Exames para investigação da causa do óbito fetal ou neonatal;
- Acompanhamento em gestações futuras;
- Espaços reservados para despedidas e acolhimento;
- Protocolos clínicos e capacitação de equipes para atendimento humanizado;
- Alteração na Lei de Registros Públicos, permitindo que natimortos recebam nomes escolhidos pelos pais.
A mudança no registro civil representa um avanço simbólico e emocional para muitas famílias, que antes só recebiam uma certidão com dados técnicos.
Realidade atual e desafios
Hoje, apenas três hospitais no Brasil oferecem atendimento estruturado ao luto parental: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto (SP) e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão (PI).
Entre 2020 e 2023, o país registrou 172.257 óbitos fetais, com a região Sudeste liderando o número de casos. Em 2024, foram 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde.
O ambulatório de luto parental do HMIB é referência no país, oferecendo desde 2013 atendimento com equipes multidisciplinares. A médica psiquiatra Maria Marta Freire, responsável pelo serviço, destaca o impacto positivo do acolhimento:
“A gente não tem o poder de curar o luto de ninguém. O que fazemos é dar a mão e caminhar junto”, resume.
Ela reforça que a ausência de acolhimento adequado aumenta o risco de transtornos mentais, como a depressão profunda. Já o momento da despedida é considerado essencial no processo de luto.
Voz das famílias
A conselheira tutelar Elem Andrade, atendida pelo ambulatório do HMIB, relata como o apoio foi essencial:
“Naquele primeiro momento, você está no fundo do poço. Com o aconselhamento e o apoio deles, comecei a enxergar o mundo de outra forma”.
A operadora de caixa Julenir dos Santos, que já ou por quatro perdas gestacionais, destaca a importância da nova legislação:
“Na minha última perda, eu já tinha escolhido o nome da minha filha. Agora outras mães poderão dar nome à história delas”.
A médica Maria Marta conclui com um lembrete poderoso:
“Quando a gente perde um filho, não há nome para isso. Porque é o inverso da ordem natural da vida”.